24.1.07

Quanto Mais Quente Melhor - Billy Wilder

Marilyn Monroe é realmente um fenômeno. De verdade, não acho que ela fosse assim tão maravilhosa, nem tão boa atriz... Era até meio gordinha. Mas é absolutamente impossível prestar atenção em qualquer outra coisa quando ela está em cena. Assistindo a Quanto Mais Quente Melhor, pensei na Angelina Jolie. O fenômeno é quase o mesmo. Quando elas aparecem na tela, exercem um magnetismo tão grande que é necessário um esforço quase físico para dirigir o olhar a outros atores ou atrizes. Nesse filme, Marilyn contracena com muitas outras mulheres, provavelmente tão ou mais lindas do que ela... Mas não consigo me lembrar de nenhuma delas.

Além de Marilyn, o filme conta com os engraçadíssimos Tony Curtis e Jack Lemmon e tem a direção de Billy Wilder. Os dois são músicos que por um acaso presenciaram um massacre realizado pro mafiosos. Para fugir dos bandidos, se disfarçam de mulher e entram numa banda feminina que está de partida para Miami. Sugar Kane (Marilyn) fica amiga dos dois (achando que são garotas, claro), que por sua vez se apaixonam por ela. Joe/Josephine (Lemmon) resolve conquistar a "donzela" fingindo ser um milionário. Já Daphne/Jerry (Curtis) acaba dando um golpe do baú num velho capitão.

Impressionante como um argumento que já foi exaustivamente transformado em clichê por Hollywood nesse filme consegue ser tão divertido. Apesar de transpirar sexualidade, ele não se fixa naquelas piadas toscas sobre as diferenças entre "ser" homem ou mulher. É uma comédia que se utiliza das situações para fazer rir.

Mesmo tendo sido Jack Lemmon o indicado ao Oscar de Melhor Ator, as melhores piadas são contracenadas por Tony Curtis. A festa na cabine de Daphne no trem é de chorar de rir. Sem contar o "envolvimento sentimental" do falcatrua com o capitão garanhão. Quando Joe entra no quarto pela janela de manhã e Jerry conta que foi "pedida" em casamento, é o momento de se preparar para o diálogo mais bizarro e hilário do filme.

E Quanto Mais Quente Melhor ainda vem com uma lição de moral: "Ninguém é perfeito". Se você não viu o filme, corra até a locadora pra entender uma das melhores piadas da história do cinema.

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19.1.07

Mais Estranho que a Ficção - Marc Forster

Como seria saber que existe um livro sobre sua própria vida? Não uma biografia, mas um texto feito a partir de um narrador onisciente. Interessante, provavelmente. Mas e se essa narração acontecesse em off, e a voz fosse ouvida apenas pelo protagonista, enquanto ele realiza suas atividades diárias? Talvez enlouquecedor. E se, no meio da narrativa, a voz dissesse que o protagonista mal sabe que sua morte está próxima? Ok, desesperador. E um bom ponto de partida para um filme.

Pois esse é o argumento de Mais Estranho que a Ficção, dirigido por Marc Forster (Em Busca da Terra do Nunca). Harold Crick (Will Ferrell) é um funcionário da Receita Federal, tão metódico e esquisito que provavelmente sofre de TOC (Transotorno Obsessivo Compulsivo). Tem uma vida comum e até mesmo chata. Sem amigos, sem namorada, sem família. Um autêntico loser, como os cineastas adoram. Tudo vai muito bem até que ele começa a ouvir a narração de todos os seus atos. E descobre que vai morrer em breve. E justo agora, que conheceu Ana Pascal, dona de uma confeitaria com um público que lembra muito a Lancheira do Parque...

Com roteiro de Zach Helm (discípulo de Charles Kauffman), a estrutura do filme lembra bastante Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Mas numa versão light, bem light. As brincadeiras com as imagens, como a conversa de Harold com a confeiteira no ônibus e os gráficos mentais que o personagem faz e que podemos ver, dão um ar divertido e cult ao longa. Ele aborda a fronteira entre o real e o ficcional, ao demonstrar as tentativas de Harold de encontrar a escritora que narra sua vida e impedir sua morte. Alías, se ele tem tempo de sobra para fazer sua busca, é porque Kay Eiffell (Emma Thompson, sem maquiagem nenhuma) está passando por uma crise criativa que já dura 10 anos e não consegue finalizar a saga de Harold Crick.

Outro assunto abordado é a iminência da morte. Um tema um pouco batido, mas que acaba rendendo boas cenas... Principalmente no caso de um personagem tão humano quando esse Harold Crick. Incrível como a maneira escolhida pelo protagonista para passar seus últimos momento pode ser tão singela e, ao mesmo tempo, tão intensa. Nunca soube responder à pergunta: "o que você faria se soubesse que vai morrer amanhã?" Agora sei. E sei também o porquê da indicação de Will Ferrel ao prêmio de Melhor Ator Comédia ou Musical no Globo de Ouro. Ele abandona os personagens caricatos de pastelão para realizar uma atuação contida e muito convincente, num filme que oscila entre a comédia e a tragédia.

Aliás, Dustin Hoffman está impagável no papel do professor de literatura que ajuda Harold a encontrar a autora do livro de sua vida. O questionário que realiza com o auditor para saber em que tipo de literatura ele está é uma preciosidade. E a reação dele quando se encontra com a famosa escritora é exatamente a esperada de um amante dos livros. Mas a explicação da autora deixa claro que, sim, não existia outro final para o filme. Que bom que existem pessoas como Harold Crick.

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18.1.07

Babel - Alejandro González-Iñárritu

"Ora, toda a terra tinha uma só língua e um só idioma. E deslocando-se os homens para o oriente, acharam um vale na terra de Sinar; e ali habitaram. Disseram uns aos outros: 'Eia pois, façamos tijolos, e queimemo-los bem'. Os tijolos lhes serviram de pedras e o betume de argamassa. Disseram mais: 'Eia, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo cume toque no céu, e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra'. Então desceu o Senhor para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam; e disse: 'Eis que o povo é um e todos têm uma só língua; e isto é o que começam a fazer; agora não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer. Eia, desçamos, e confundamos ali a sua linguagem, para que não entenda um a língua do outro'. Assim o Senhor os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a cidade. Por isso se chamou o seu nome Babel, porquanto ali confundiu o Senhor a linguagem de toda a terra, e dali o Senhor os espalhou sobre a face de toda a terra."
Gênesis 11: 1-9

Duas crianças marroquinas brincam com um rifle. O alvo? Um ônibus de turismo. Um deles acerta a turista americana. Ela viaja com o marido, e o casal havia deixado os filhos com a babá. Ela, por sua vez, precisa voltar para o México para ver o casamento do filho. Como, graças ao acidente, os patrões não voltaram na data prevista, ela cruza a fronteira ilegalmente com os pequnos. Do outro lado do mundo, uma adolescente japonesa surda-muda tem dificuldades para superar a rejeição dos garotos e a morte da mãe. A sinopse já é o suficiente para identificar Babel como um filme do diretor mexicano Alejandro González-Iñárritu, que em Amores Brutos e 21 Gramas se utiliza da mesma estrutura narrativa: a partir de um acontecimento, personagens se interligam e hitórias se cruzam. Mas os links às vezes são um pouco forçados. Só um pouquinho.

O filme levou o Globo de Ouro de Melhor Filme Drama e ganhou o prêmio de Melhor Diretor, o Prêmio Ecumênico do Júri e o Grande Prêmio Técnico no Festival de Cannes. Não é para menos. Com duas horas e 20 minutos de duração, não se percebe o tempo passar. Todos os "núcleos" ou "subtramas" são interessantes com a mesma intensidade. O que muda é a carga de tensão em cada um deles. Enquanto a personagem de Cate Blanchet está á beira da morte e passando por situações humilhantes, a japinha triste se esmera para conseguir perder a virgindade (sem sucesso). Ao mesmo tempo que vemos a família de marroquinos falar sobre o "assassinato" da americana como se não tivesse nada a ver com eles, as crianças estão numa festa tipicamente mexicana. E sabemos que aquilo tudo não vai terminar bem.

Grande parte da expectativa pelos acontecimentos futuros e desastrosos do enredo se devem à brilhante trilha sonora assinada por Gustavo Santaolalla (o mesmo de Diários de Motocicleta). Sem a música, o filme não seria o mesmo. Em determinada cena, a festa de casamento está animadíssima. Dança, bebida, crianças correndo por todas as partes, alegria, bolo... Mas a canção que acompanha as imagens em ritmo frenético é tão lenta e desesperadoramente triste, que não existe possibilidade de imaginar que aquilo vá terminar bem. Uma cena para ficar na memória.

Mas o interessante mesmo é a carga política que Babel traz. Como o título já sugere, é um filme sobre a incompreensão, os conflitos de culturas e linguagens, a intolerância. González-Iñárritu aborda a xenofobia, os problemas existentes na fronteira México - Estados Unidos, o combate histérico ao terrorismo, a solidão... E ao mesmo tempo demonstra que em certas situações, o significado das palavras não é tão importante assim. Tudo isso numa só produção, rodada em três continentes, falada em cinco línguas (se considerarmos a linguagem surdo-muda). E sem perder o foco, sem se tornar cansativo ou inacessível demais. É engajado, mas com cara de cinemão e grandes possibilidades de concorrer ao Oscar.

E preciso admitir: a atuação de Brad Pitt não tem nada de brilhante. Confesso inclusive que me surpreendi com o trailler de Dreamgirls, no qual Eddie Murphy está realmente muito bem. Falha nossa...

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17.1.07

Déjà Vu - Tony Scott

Se você pretende ver esse filme ruim, é melhor não ler a crítica.

São tantos lugares comuns que fica difícil enumerar todos eles. Os mais importantes são: Denzel Washington no papel de bonzão, o bem sempre vence (ops!), o FBI possui tecnologias impressionantes e assustadoras e, por final, quanto mais explosões e perseguições de carro, melhor (com direito a corrida na contramão e tudo). Isso é o que fica de Déjà Vu, novo filme de Tony Scott, que vem pra confirmar mais uma vez que o diretor é bom mesmo em filmar cenas de ação. E só.

Denzel Washington é Doug Carlin, um policial especialista em bombas. Após um atentado a um navio muito simpático, cheio de oficiais da Marinha com suas esposas e filhinhos pequenos, ele descobre que o assassinato de uma mulher linda (Paula Patton) é a chave para encontrar o culpados pelas outras mortes. Para isso, ele conta com a ajuda do agente Pryzwarra (Val Kilmer, impressionantemente gorducho), que tem uma tecnologia assustadora. É possível acompanhar qualquer coisa que tenha acontecido há 4 dias, 16 horas e não sei quantos segundos, através de uma tela. Assim, ele tenta acompanhar os passos do bandido maluquete. Detalhe: o assassino é Jesus (James Caviezel, de A Paixão de Cristo).

O problema é que a estratégia encontrada por Carlin tem absolutamente tudo pra dar errado, e em algum momento dá certo (ops!). Mas são tantos detalhes não explicados, que qualquer que seja a teoria no final do filme, as coisas não se encaixam (aliás, se alguém encontrou uma solução plausível, me conte, por favor). E aí, a possibilidade de um filme medíocre se transformar num belo tratado sobre fatalidade cai por água abaixo.

E nos créditos, após a sofrível dedicatória às vítimas do Katrina, fica aquela sensação de déjà vu...

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16.1.07

Globo de Ouro

Fica difícil comentar a premiação do Globo de Ouro, já que a maioria dos filmes concorrentes aos grandes prêmios ainda não chegou por aqui. Mas há um fato que não pode passar em branco. Eddie Murphy ganhar o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante concorrendo com Brad Pitt e, céus, Jack Nicholson? Onde estamos? Nem em seus maiores sonhos Eddie Murphy poderia ser melhor do que Jack Nicholson em seu pior filme. Lamentável.

12.1.07

Diamante de Sangue - Edward Zwick


Regra número 1: nunca chegar empolgado demais numa sala de cinema. Isso acaba em decepção na grande maioria das vezes. Pois bem, ignorei a regra e fui bem feliz assistir a Diamante de Sangue. Esperava mais.

O filme pretende ser uma denúncia sobre a exploração ilegal de diamantes na Serra Leoa. E de certa forma consegue atingir seus objetivos, não fosse por alguns elementos tão hollywoodianos que aparecem aqui e ali e acabam tirando um pouco o crédito de tudo. O vilão que se redime, o romance impossível, a jornalista que sacrifica a vida em prol da humanidade, blá blá blá... Mas, ignorando esses poréns, Diamante de Sangue acaba por ser ótimo.

Djimon Hounsou é Solomon Vandy, um africano que, em meio ao conflito da guerra civil de 99, perdeu sua família e foi levado como escravo para trabalhar nas minas. Lá, ele encontra um diamante cor-de-rosa do tamanho de um ovo, o esconde e acaba conseguindo fugir. Quando o mercenário Danny Archer (Leonardo DiCaprio) descobre, tenta de tudo para convencer Solomon a lhe contar onde está a pedra. Em troca, ele o ajuda a encontrar sua família. Para isso, eles contam com a ajuda de uma jornalista norte-americana que está na África atrás da matéria de sua vida.

Parece muito clichê, mas Edward Zwick acaba por conduzir a trama de tal forma que as coisas não sejam assim tão óbvias. Então ele faz uso de muitas cenas de violência (não gratuitas) e explora a beleza incomum das cores da miséria na África. Mesmo recurso utilizado, inclusive, em O Último Samurai: utilizar a beleza de um cultura que nos é estranha. E isso dá certo. Tanto é que só no final o desenrolar da história começa a ficar manjado.

É isso que tira um pouco o mérito do filme. Tudo caminhava tão bem, até que as soluções começam a ficar previsíveis, e tem início a sucessão de arrependimentos e mudanças de paradigma dos personagens. Me irrita, mas estou certa de que a Academia vai adorar. Eles não resistem a uma boa redenção no final.

Mas Leonardo DiCaprio realmente surpreendeu. Não que tenha uma atuação maravilhosa. Ele simplesmente faz o que deveria fazer para convencer no personagem. Mas agora parece mais adulto. Perdeu a carinha de menino mimado, engordou... Isso explica muito da comoção em torno do rapaz. Ele está mesmo diferente. Agora, a pergunta que não quer calar: por que diabos ele é o protagonista e Djimon Hounsou é o coadjuvante se o filme começa e termina com Hounson? A lógica do cinemão não cansa de me deixar perplexa.

Momento apenas uma gargalhada no cinema (minha, obviamente): Leo DiCaprio, todo sedutor, pergunta para a moça com quem está dançando, e que não pára com o interrogátório sobre o tráfico de diamantes: "Por que não continuamos essa conversa na sua casa? Aí aproveitamos e vemos o que tem no mini-bar." E ela, bem cínica: "Sou jornalista, já bebi tudo."

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11.1.07

007 Cassino Royale - Martin Campbell


Digam o que disserem, eu não abro mão: definitivamente, Daniel Craig não serve pra James Bond. Ele é loiro e bronco demais pra isso. Tá, tudo bem... Ele não poderia ter tanta classe quanto o 007 de Sean Connery logo em sua primeira missão como agente 00, mas também não precisava ser tããããão grosseiro. Feita a crítica ao ator, vamos ao filme.

Genial. Com uma trama simples mas com um roteiro bem amarrado (by Paul Haggis), Cassino Royale realmente explica como tudo começou. Como Bond aprendeu a não confiar em ninguém, como aprendeu a tratar as mulheres de forma tão adorável e desprezível e, sim, como aprendeu a não ser tão burro. Porque neste filme ele é muito amador. Sente medo o tempo todo. E, pasmem: quase morre. A cena do quase defunto, inclusive, disputa o topo na lista dos melhores momentos com a perseguição do início do filme (com direito a le parkour e tudo).

Outra novidade é a quantidade de cenas de ação. O filme é muito movimentado, cheio de perseguições, bombas, tiros e pancadaria. E o vilão não tem síndrome de Pink e Cérebro. O lance dele já não é conquistar o mundo, mas sim ganhar muito dinheiro. De preferência financiando o terrorismo. E ele chora sangue. Ui!

A missão: Bond precisa ganhar uma partida milionária de poker no Cassino Royale para evitar que esse dinheiro vá parar nas mãos erradas. O que fez falta foram as parafernálias inatingíveis e invejáveis de James Bond. A Sony espalhou celulares e máquinas digitais pelo filme, mas nada que não se possa comprar com muito dinheiro. Se bem que o 007 de Craig não precisa de equipamentos mirabolantes. Com ele, é tudo na porrada mesmo.

Mas o ponto forte do filme é a escolha da Bond Girl. Eva Green, a guria linda de Os Sonhadores, não precisa desfilar de biquini nem fazer caras e bocas pra seduzir James Bond ou qualquer outro, inclusive quem está assistindo o filme. Tanto que os momentos em que está mais bonita são os que desfila longos deslumbrantes no Cassino (frase de menina). A escalação da atriz não poderia ser mais acertada. Afinal, não é qualquer uma que transforma "o agente com licença para matar" em "o espião que amava".

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10.1.07

Cortazar quer tomar teu ar

Esse blog aqui é um pouco dedicado ao Cortazar. O tal capítulo 7 é do Jogo da Amarelinha. E é uma das grandes mostras da genialidade do sujeito. No meio de um texto denso, inquietante, ele resolve fazer poesia. Injeta um lirismo absurdo para mudar totalmente a atmosfera do texto. E cria, com essa quebra, uma descrição de tamanha beleza, de tamanha intimidade, que nós, cobaias, entramos no jogo dele.

O Cortazar tem duas artimanhas maravilhosas. A primeira é justamente essa: quebrar o texto quando o leitor menos espera. A segunda, ainda mais brilhante, é a claustrofobização do ambiente. A história começa normal, corriqueira, até banal. De repente, começa a fechar, as possibilidades começam a minguar. A porta de saída vai ficando estreita, estreita, estreita, até que não tenha mais como sair. Chegou o clímax.

Até aí, nada de muito novo. O Cortazar é brilhante nessa técnica, mas muitos outros também o são. Aliás, o Kafka faz ainda melhor. Ele consegue iniciar a trama pelo ápice e a partir daí passa a abrir a narrativa. Só que essa abertura, fantástico, também é claustrofóbica. Mas isso é delírio pra outra hora.

A claustrofobização do Cortazar mora em boa parte dos textos dele. É exemplar a Auto-estrada Sul, do Todos os Fogos o Fogo. Ou a Casa Tomada, do Bestiário. Ambos são contos. Neles, é natural esse sufocamento. Só que os romances também têm. Os Prêmios é o exemplo perfeito. E o objetivo deste post, na real, é buscar uma mistura de tudo isso. Claustrofobização em um romance que bem poderia ser um conto. Será?

É aí que se volta pro Jogo da Amarelinha, o grande romance dele. Tem três capítulos, pelo menos três, que poderiam ser retirados dali e seriam contos perfeitos. E são, no melhor estilo Cortazar, absolutamente claustrofóbicos. O melhor deles é o da morte do bebê Rocamadour.

Dali a 20 minutos, Maga tem que amamentar o pequeno. Horácio, meio displicente, vai brincar com a criança. E percebe que ela morreu. Dali a 20 minutos, Maga vai descobrir que o filho dela morreu. Dali a 20 minutos, Maga vai passar pelo pior momento da vida dela. Horácio, sem saber o que fazer, fica na dele. Só que os amigos do casal começam a chegar no apartamento. E cada um deles, discretamente, recebe a notícia de que Rocamadour está morto. E pensam que dentro de 18 minutos Maga vai descobrir. Pensam que dentro de 15 minutos Maga vai descobrir. Pensam que dentro de 10 minutos Maga vai descobrir que o bebê dela está morto no berço.

Eles estão sentados no chão, silenciosos, ouvindo música, enquanto o relógio tiquetaqueia na direção da tragédia iminente. Os nervos de cada um, exceto Maga, estão no limite do suportável. No andar de cima, um velho começa a bater com a vassoura no chão. Ele bate, o relógio tiquetaqueia, Maga manifesta desconfiança, o velho bate de novo, o relógio tiquetaqueia mais um pouco. E o bebê Rocamadour está morto.

É brilhante a distribuição do Cortazar. Os elementos interagem. Cada pessoa que entra na sala torna o clima mais sombrio. O velho, com as batidas no chão, faz com tudo se torne mais absurdo. E o leitor, angustiado, fica à espera da explosão. O capítulo, depois de iniciar aberto, em tom corriqueiro, termina sem qualquer resquício de ar. Houve claustrofobização. E houve quebra.

Os outros dois capítulos no mesmo estilo são o do recital da senhora Trépat o da tábua separando as duas casas, aí já em Buenos Aires. Mas esses é melhor ler de surpresa, sem um blog besta pra estragar a brincadeira.

Uma Noite no Museu - Shawn Levy


Como já é de se esperar, Uma Noite no Museu não é nenhuma obra prima cinematográfica e nem traz grandes surpresas de roteiro e interpretação. Mas serve para aquilo a que se propõe: divertir por cerca de uma hora e meia.

Ben Stiller, o queridinho das comédias besteirol, é um pai divorciado que não consegue se estabilizar na vida, e precisa fazê-lo o mais rápido possível para ser um bom exemplo para o filho. Em um momento de desespero, arruma um emprego como vigia noturno de um museu de cera. Tudo muito chato e monótono, não fosse pelo fato de que os personagens criam vida à noite, e o museu se torna um campo de batalha.

De certa forma, com esse filme Shawn Levy se redime do terrível remake de A Pantera Cor-de-Rosa, que de remake não tem nada. Em Uma Noite no Museu quase não há aquelas piadinhas batidas e insuportáveis de apelo sexual ou "digestivo". Até porque, é bom avisar, é um filme destinado principalmente ao público infanto-juvenil. Logo, preparem-se para um final daqueles que fazem as crianças vibrarem e os adultos reclamarem do absurdo.

E o prêmio de melhor piada vai para os conflitos entre os desbravadores norte-americanos e os conquistadores romanos, todos eles em miniatura. Ah! Robin Williams faz o papel do presidente Roosevelt. Mas, sinceramente, isso não faz a menor diferença!

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8.1.07

O cura e o barbeiro

Talvez a melhor coisa que eu tenha lido na vida seja justamente o mote pra o que eu pretendo fazer aqui. No Dom Quixote, a loucura do fidalgo é diagnosticada como culpa dos livros de cavalaria que ele lia. E aí o Cervantes faz uma delícia de capítulo em que o cura e o barbeiro de La Mancha invadem a biblioteca do biruta e, ali, iniciam uma queima das obras. Só que a dupla é seletiva. Conforme os livros vão aparecendo, eles escolhem o que deve ou não ir pro fogo. São, de certa forma, críticos literários. É uma sacada brilhante do Cervantes. Ele reinventa a Literatura ao criar um texto magnífico e, não satisfeito, discute a influência dos livros dentro do próprio texto.

Como não tenho a mínima condição intelectual (argh, isso soa horrível) de ser como Cervantes, o jeito é apelar para a tática do cura e do barbeiro. Confiando apenas no meu gosto, sem bases teóricas (argh, mais horrível ainda), vou bobageando sobre aquilo que me agrada ou não. É meu jeito de decidir o que vai ou não pra fogueira. É, vá lá, o único jeito.

Um Bom Ano - Ridley Scott


A começar pelo título, Um Bom Ano é um filme insosso do início ao fim. Eu não havia me interessado por ele e, por isso, acabei na sala de cinema pra vê-lo apenas por um confusão mental. Queria assistir a Feliz Natal e me enganei nos horários. Uma pena.

Não que o filme de Ridley Scott seja ruim. Mas é medíocre, o que, dependendo o ponto de vista, pode ser ainda pior. Isso também não é uma surpresa em se tratando do diretor. Me descupem os fãs, mas Ridley Scott já foi bom. Thelma e Louise, Alien e Blade Runner são apenas vestígios de um diretor talentoso, que agora faz filmes como Gladiador, Cruzada e... Um Bom Ano.

Alías, nesse útimo ele repete a parceria de Gladiador ao colocar como protagonista Russell Crowe. Ele é um investidor inglês sem escrúpulos, que vive em função de ganhar muito dinheiro pra gastar em nada, já que não tem vida social, nem amigos e muito menos família. Tocante. E clichê. Mas o filme continua. Max descobre que seu tio, a única pessoa que se importava com ele, faleceu e deixou como herança um vinhedo na França. Ele vai até lá com a intenção de vender a fazenda e... surpresa! Por motivos de força maior, ele é obrigado a passar uma semana na paradisíaca cidadezinha, se apaixona por uma garçonete... Ah! Todos já sabemos onde isso vai terminar, não é mesmo?

Mas não é o fato de adivinharmos o desfecho logo no início do filme que o torna irritante. O problema é que ele tem toda uma estética e ritmo europeus. Isso cria a falsa expectativa de que, em algum momento, aquilo tudo vai quebrar algum clichê. A narrativa lenta indica que será um filme contemplativo, sem soluções fáceis. Ledo engano. O que se vê nos últimos 10 minutos é uma sucessão de deuses ex-machina. Tudo se encaixa harmoniosamente como num passe de mágica.

É tão frustrante que não vale nem pelas ótimas piadas sobre a rivalidade história entre franceses e ingleses. Moral da história: sempre conferir o horário das sessões antes de sair de casa.

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