22.4.07

O Cheiro do Ralo - Heitor Dhalia

Asqueiroso, cruel e muito, muito engraçado. Poderia escrever esta frase e colocar umas fotos. Já seria o suficiente. Mas obviamente eu não me agüento e vou ter que dissertar sobre O Cheiro do Ralo, o segundo filme de Heitor Dhalia (o primeiro foi Nina, que não vi).

Adaptação do livro homônimo do quadrinista Lourenço Mutarelli, este longa-metragem estrelado por Selton Mello expõe a maldade internalizada em cada um dos espectadores que passam os 112 minutos do filme às gargalhadas. Não deveria ser um humor fácil, por ser pesado, preconceituoso. É o típico humor-negro, mas funciona tão bem que fez todos os presentes dasessão de pré-estréia caírem na risada. Desde o alternativo mais cult à patricinha mais plastificada. O que leva a um qüestionamento muito presente no filme: "Até onde vão seus princípios?".

O personagem de Selton, Lourenço (em homenagem ao autor do livro), é absurdamente vil. Um grande filho da puta, pra ser mais direta. Ele simplesmente não gosta de ninguém. Pelo contrário. Dezpreza a humanidade e tem obcessão por relações que envolvam poder e dinheiro. Ele é o proprietário de uma loja de antigüidades, e o que o motiva não é o dinheiro que recebe, mas sim as humilhões a que submete as pessoas que o procuram.

Lourenço tem quatro fixações: uma bunda, um olho de vidro, o cheiro do ralo e a memória do pai. Esses quatro elementos se fundem no decorrer da narrativa de tal forma que lá pelas tantas o filme assume um tom escatológico e absurdo. Mas tanta doidera não diminui nem um pouco a trama. O roteiro é tão bem amarrado que não parece impossível que um maluco qualquer goste de cheirar o ralo entupido e mostre para o olho de vidro (que diz ser de seu pai) uma bunda enorme. Quem é normal nesse mundo?

A riqueza do filme está nos detalhes. Em dado momento, um doido oferece a Lourenço uma maço de cigarros com o autógrafo de um ator que não me lembro qual é. E explica, diante da expressão de não-reconhecimento de Selton, que ele foi o protagonista do filme The Get-Away. No que o proprietário da lojinha responde: "Nunca ouvi falar. Isso não me interessa". O detalhe? Alguns dias antes, um poster do citado filme estava estrategicamente colocado bem na frente do balcão!

Cenas como essa e como o momento em que Lourenço confunde a "dona da bunda" (que, aliás, não tem nome, como todos os outrso personagens) com outra garçonete simplesmente por não saber qual é o rosto dela levam ao riso fácil do espectador. Outras, como a que o protagonista testa a integridade de um senhor que precisa muito de dinheiro, são, sim, engraçadas. Mas o riso na sala escura de cinema já é um pouco mais amargo. É, a vida é dura.

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5 Comments:

Blogger Camom said...

adorei muito esse filme.
tanto que vi duas vezes. e veria de novo se bobear.
tenho sentido o cheiro por aqui e por ali.
tenho tido reações parecidas com a do lourenço. ai, medo.
sei que é muito real e sincero. um sincero que dói.
além de ser muito bem feitinho!

bjos
camom




olha, estás favoritada: www.fotolog.com/bomfilme

07:37  
Blogger Kamila Freitas said...

Adorei conhecer seu BLOG! Você é D+ mesmo, escreve muuuuito bem!! Fiquei interessadíssima em assistir esse filme!
É isso aí amiga, está no caminho certo, deve amar o que faz, por isso faz tão bem! Sucesso, tenho certeza que vai brilhar muito ainda, aliás, sempre tive essa intuição sobre você!
Sinto sua falta!
Bjos....Kamila

10:50  
Blogger Leticia Pakulski said...

meu deus, o blogger me deu um nome de tela agora. não, eu não tenho um blog, sei lá como isso aconteceu.

sobre o texto: vários insights geniais, gabs. o filme merece uma crítica cheia de graça como a tua. adorei o início e o final, como sempre.

'nina' é bom, mas os dois filmes só têm em comum o apuro visual e o desfile de personagens esquisitos. falta o humor, que é justamente a marca de 'o cheiro...'. nisso colaboram a escolha e a direção de atores, porque dá pra sentir o quanto o texto do mutarelli pede o timing certo. caso contrário, só os nerds ririam no cinema. =D

ah, o homem do autógrafo no maço de cigarros é o steve mcqueen, vulgo 'crown, o magnífico'.

13:20  
Blogger Gabi Voskelis said...

camom: adorei ser a única favoritada, junto com o adorocinema. dá até vontade de atualizar com mais freqüência.

kamila: saudades demais. vai ver o filme. é estranho, mas é muito bom.

le: me senti normal demais rindo com a massa no cinema. e no teatro, domingo. ou as pessoas estão mais inteligentes, ou estamos menos nerds. a contribuição do nome do ator só podia ser sua, mesmo!

14:48  
Blogger Sujeito Oculto said...

Esse filme é espetacular. A crueldade do protagonista barra a de Jerry Seinfeld. Destaque para a cena da música do caminhão de gás.

11:39  

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