18.1.07

Babel - Alejandro González-Iñárritu

"Ora, toda a terra tinha uma só língua e um só idioma. E deslocando-se os homens para o oriente, acharam um vale na terra de Sinar; e ali habitaram. Disseram uns aos outros: 'Eia pois, façamos tijolos, e queimemo-los bem'. Os tijolos lhes serviram de pedras e o betume de argamassa. Disseram mais: 'Eia, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo cume toque no céu, e façamo-nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra'. Então desceu o Senhor para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam; e disse: 'Eis que o povo é um e todos têm uma só língua; e isto é o que começam a fazer; agora não haverá restrição para tudo o que eles intentarem fazer. Eia, desçamos, e confundamos ali a sua linguagem, para que não entenda um a língua do outro'. Assim o Senhor os espalhou dali sobre a face de toda a terra; e cessaram de edificar a cidade. Por isso se chamou o seu nome Babel, porquanto ali confundiu o Senhor a linguagem de toda a terra, e dali o Senhor os espalhou sobre a face de toda a terra."
Gênesis 11: 1-9

Duas crianças marroquinas brincam com um rifle. O alvo? Um ônibus de turismo. Um deles acerta a turista americana. Ela viaja com o marido, e o casal havia deixado os filhos com a babá. Ela, por sua vez, precisa voltar para o México para ver o casamento do filho. Como, graças ao acidente, os patrões não voltaram na data prevista, ela cruza a fronteira ilegalmente com os pequnos. Do outro lado do mundo, uma adolescente japonesa surda-muda tem dificuldades para superar a rejeição dos garotos e a morte da mãe. A sinopse já é o suficiente para identificar Babel como um filme do diretor mexicano Alejandro González-Iñárritu, que em Amores Brutos e 21 Gramas se utiliza da mesma estrutura narrativa: a partir de um acontecimento, personagens se interligam e hitórias se cruzam. Mas os links às vezes são um pouco forçados. Só um pouquinho.

O filme levou o Globo de Ouro de Melhor Filme Drama e ganhou o prêmio de Melhor Diretor, o Prêmio Ecumênico do Júri e o Grande Prêmio Técnico no Festival de Cannes. Não é para menos. Com duas horas e 20 minutos de duração, não se percebe o tempo passar. Todos os "núcleos" ou "subtramas" são interessantes com a mesma intensidade. O que muda é a carga de tensão em cada um deles. Enquanto a personagem de Cate Blanchet está á beira da morte e passando por situações humilhantes, a japinha triste se esmera para conseguir perder a virgindade (sem sucesso). Ao mesmo tempo que vemos a família de marroquinos falar sobre o "assassinato" da americana como se não tivesse nada a ver com eles, as crianças estão numa festa tipicamente mexicana. E sabemos que aquilo tudo não vai terminar bem.

Grande parte da expectativa pelos acontecimentos futuros e desastrosos do enredo se devem à brilhante trilha sonora assinada por Gustavo Santaolalla (o mesmo de Diários de Motocicleta). Sem a música, o filme não seria o mesmo. Em determinada cena, a festa de casamento está animadíssima. Dança, bebida, crianças correndo por todas as partes, alegria, bolo... Mas a canção que acompanha as imagens em ritmo frenético é tão lenta e desesperadoramente triste, que não existe possibilidade de imaginar que aquilo vá terminar bem. Uma cena para ficar na memória.

Mas o interessante mesmo é a carga política que Babel traz. Como o título já sugere, é um filme sobre a incompreensão, os conflitos de culturas e linguagens, a intolerância. González-Iñárritu aborda a xenofobia, os problemas existentes na fronteira México - Estados Unidos, o combate histérico ao terrorismo, a solidão... E ao mesmo tempo demonstra que em certas situações, o significado das palavras não é tão importante assim. Tudo isso numa só produção, rodada em três continentes, falada em cinco línguas (se considerarmos a linguagem surdo-muda). E sem perder o foco, sem se tornar cansativo ou inacessível demais. É engajado, mas com cara de cinemão e grandes possibilidades de concorrer ao Oscar.

E preciso admitir: a atuação de Brad Pitt não tem nada de brilhante. Confesso inclusive que me surpreendi com o trailler de Dreamgirls, no qual Eddie Murphy está realmente muito bem. Falha nossa...

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