10.1.07

Cortazar quer tomar teu ar

Esse blog aqui é um pouco dedicado ao Cortazar. O tal capítulo 7 é do Jogo da Amarelinha. E é uma das grandes mostras da genialidade do sujeito. No meio de um texto denso, inquietante, ele resolve fazer poesia. Injeta um lirismo absurdo para mudar totalmente a atmosfera do texto. E cria, com essa quebra, uma descrição de tamanha beleza, de tamanha intimidade, que nós, cobaias, entramos no jogo dele.

O Cortazar tem duas artimanhas maravilhosas. A primeira é justamente essa: quebrar o texto quando o leitor menos espera. A segunda, ainda mais brilhante, é a claustrofobização do ambiente. A história começa normal, corriqueira, até banal. De repente, começa a fechar, as possibilidades começam a minguar. A porta de saída vai ficando estreita, estreita, estreita, até que não tenha mais como sair. Chegou o clímax.

Até aí, nada de muito novo. O Cortazar é brilhante nessa técnica, mas muitos outros também o são. Aliás, o Kafka faz ainda melhor. Ele consegue iniciar a trama pelo ápice e a partir daí passa a abrir a narrativa. Só que essa abertura, fantástico, também é claustrofóbica. Mas isso é delírio pra outra hora.

A claustrofobização do Cortazar mora em boa parte dos textos dele. É exemplar a Auto-estrada Sul, do Todos os Fogos o Fogo. Ou a Casa Tomada, do Bestiário. Ambos são contos. Neles, é natural esse sufocamento. Só que os romances também têm. Os Prêmios é o exemplo perfeito. E o objetivo deste post, na real, é buscar uma mistura de tudo isso. Claustrofobização em um romance que bem poderia ser um conto. Será?

É aí que se volta pro Jogo da Amarelinha, o grande romance dele. Tem três capítulos, pelo menos três, que poderiam ser retirados dali e seriam contos perfeitos. E são, no melhor estilo Cortazar, absolutamente claustrofóbicos. O melhor deles é o da morte do bebê Rocamadour.

Dali a 20 minutos, Maga tem que amamentar o pequeno. Horácio, meio displicente, vai brincar com a criança. E percebe que ela morreu. Dali a 20 minutos, Maga vai descobrir que o filho dela morreu. Dali a 20 minutos, Maga vai passar pelo pior momento da vida dela. Horácio, sem saber o que fazer, fica na dele. Só que os amigos do casal começam a chegar no apartamento. E cada um deles, discretamente, recebe a notícia de que Rocamadour está morto. E pensam que dentro de 18 minutos Maga vai descobrir. Pensam que dentro de 15 minutos Maga vai descobrir. Pensam que dentro de 10 minutos Maga vai descobrir que o bebê dela está morto no berço.

Eles estão sentados no chão, silenciosos, ouvindo música, enquanto o relógio tiquetaqueia na direção da tragédia iminente. Os nervos de cada um, exceto Maga, estão no limite do suportável. No andar de cima, um velho começa a bater com a vassoura no chão. Ele bate, o relógio tiquetaqueia, Maga manifesta desconfiança, o velho bate de novo, o relógio tiquetaqueia mais um pouco. E o bebê Rocamadour está morto.

É brilhante a distribuição do Cortazar. Os elementos interagem. Cada pessoa que entra na sala torna o clima mais sombrio. O velho, com as batidas no chão, faz com tudo se torne mais absurdo. E o leitor, angustiado, fica à espera da explosão. O capítulo, depois de iniciar aberto, em tom corriqueiro, termina sem qualquer resquício de ar. Houve claustrofobização. E houve quebra.

Os outros dois capítulos no mesmo estilo são o do recital da senhora Trépat o da tábua separando as duas casas, aí já em Buenos Aires. Mas esses é melhor ler de surpresa, sem um blog besta pra estragar a brincadeira.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

tô curtindo o blog de vcs, viu? uma leitora assídua vcs já tem! pelo menos durante as férias da fabico :P
beijos

13:06  

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