19.1.07

Mais Estranho que a Ficção - Marc Forster

Como seria saber que existe um livro sobre sua própria vida? Não uma biografia, mas um texto feito a partir de um narrador onisciente. Interessante, provavelmente. Mas e se essa narração acontecesse em off, e a voz fosse ouvida apenas pelo protagonista, enquanto ele realiza suas atividades diárias? Talvez enlouquecedor. E se, no meio da narrativa, a voz dissesse que o protagonista mal sabe que sua morte está próxima? Ok, desesperador. E um bom ponto de partida para um filme.

Pois esse é o argumento de Mais Estranho que a Ficção, dirigido por Marc Forster (Em Busca da Terra do Nunca). Harold Crick (Will Ferrell) é um funcionário da Receita Federal, tão metódico e esquisito que provavelmente sofre de TOC (Transotorno Obsessivo Compulsivo). Tem uma vida comum e até mesmo chata. Sem amigos, sem namorada, sem família. Um autêntico loser, como os cineastas adoram. Tudo vai muito bem até que ele começa a ouvir a narração de todos os seus atos. E descobre que vai morrer em breve. E justo agora, que conheceu Ana Pascal, dona de uma confeitaria com um público que lembra muito a Lancheira do Parque...

Com roteiro de Zach Helm (discípulo de Charles Kauffman), a estrutura do filme lembra bastante Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças. Mas numa versão light, bem light. As brincadeiras com as imagens, como a conversa de Harold com a confeiteira no ônibus e os gráficos mentais que o personagem faz e que podemos ver, dão um ar divertido e cult ao longa. Ele aborda a fronteira entre o real e o ficcional, ao demonstrar as tentativas de Harold de encontrar a escritora que narra sua vida e impedir sua morte. Alías, se ele tem tempo de sobra para fazer sua busca, é porque Kay Eiffell (Emma Thompson, sem maquiagem nenhuma) está passando por uma crise criativa que já dura 10 anos e não consegue finalizar a saga de Harold Crick.

Outro assunto abordado é a iminência da morte. Um tema um pouco batido, mas que acaba rendendo boas cenas... Principalmente no caso de um personagem tão humano quando esse Harold Crick. Incrível como a maneira escolhida pelo protagonista para passar seus últimos momento pode ser tão singela e, ao mesmo tempo, tão intensa. Nunca soube responder à pergunta: "o que você faria se soubesse que vai morrer amanhã?" Agora sei. E sei também o porquê da indicação de Will Ferrel ao prêmio de Melhor Ator Comédia ou Musical no Globo de Ouro. Ele abandona os personagens caricatos de pastelão para realizar uma atuação contida e muito convincente, num filme que oscila entre a comédia e a tragédia.

Aliás, Dustin Hoffman está impagável no papel do professor de literatura que ajuda Harold a encontrar a autora do livro de sua vida. O questionário que realiza com o auditor para saber em que tipo de literatura ele está é uma preciosidade. E a reação dele quando se encontra com a famosa escritora é exatamente a esperada de um amante dos livros. Mas a explicação da autora deixa claro que, sim, não existia outro final para o filme. Que bom que existem pessoas como Harold Crick.

Marcadores:

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Se tu gostou do Dustin Hoffman no filme, vale a pena conferir "I love Huckabees". Tem mais de "Brilho eterno" e menos de "Adaptação".

23:17  

Postar um comentário

<< Home